segunda-feira, 1 de junho de 2009

Incerteza e falta de transparência na Ellipse



“As minhas tarefas foram canceladas em Novembro por falta de verbas, mas as aquisições já tinham terminado há mais tempo. 2007 foi o último ano em que fomos à Feira de Basel (um dos mais importantes certames do mercado da arte). Estávamos agora numa fase de gestão e manutenção da colecção e a tentar desenhar-lhe um perfil próprio, desenvolvendo projectos de produção de novas peças com artistas que já pertenciam ao acervo”, diz Pedro Lapa. O ex-consultor da Fundação assegura que tanto ele como Alexandre Melo estiveram sempre à margem dos pagamentos que a Fundação efectuava por cada aquisição.

O valor da colecção, constituída por 890 obras de arte, de cerca de 160 artistas, foi recentemente revista em forte baixa. A última auditoria realizada pela Deloitte às contas da PH dá conta de uma avaliação levada a cabo pela leiloeira Sotheby’s, em Abril de 2009, que reduz o valor comercial da colecção a €19,9 milhões. Menos de metade do valor indicado por duas avaliações apresentadas por Rendeiro em 2008 — que determinavam que o acervo valeria entre os €40 milhões e os €45 milhões. E igualmente longe dos €44 milhões registados nas contas de 2008 da PH. O valor total investido na colecção desde 2002 terá atingido os €50 milhões, segundo João Rendeiro.

Colecção dada como garantia

A questão não é de somenos importância, uma vez que a colecção da Fundação faz parte dos activos do BPP (já que foi o banco que financiou a compra da Holma) e é uma das contragarantias dadas ao Estado para assegurar o aval do empréstimo de €450 milhões feito ao banco em Dezembro de 2008.

Na última assembleia geral da PH, Rendeiro contestou a avaliação da Sotheby’s, defendendo que, por ser uma leiloeira, a empresa nem sequer avaliou os vídeos da colecção. Na mesma reunião, Francisco Capelo, accionista da PH e responsável por parte da Colecção Berardo, contrariou Rendeiro, afirmando que actualmente os vídeos não têm valor comercial e que a colecção valerá apenas cerca de 12% do valor a que está registada.

O resultado da avaliação da Sotheby’s não surpreende Pedro Lapa. O ex-consultor da Fundação é o primeiro a assumir que “neste momento o total da colecção não ultrapassará os €20 milhões”. Alexandre Melo também admite que “uma crise financeira e económica como a que se está a atravessar afecta o mercado da arte, obrigando à desvalorização das peças”. Mas alerta para os critérios subjectivos das avaliações, “sempre dependentes das entidades que as realizam e do momento em que são feitas”. Nenhum dos dois curadores consegue perspectivar o futuro da colecção, tendo apenas mantido encontros “muito esporádicos” com João Rendeiro.

Contudo, o director do Museu do Chiado avança com um repto ao Governo: “O Estado nunca terá dinheiro para fazer uma colecção destas. A salvaguarda deste acervo, agora que o mercado está em baixa, é uma oportunidade única para que Portugal possa vir a constituir um grande museu de arte contemporânea”. Lapa vai mais longe, apontando a CGD como a instituição com mais capacidade para adquirir a colecção. É que os estatutos da fundação, ainda segundo o director do Museu do Chiado, definem que o acervo não pode ser vendido separadamente, e no seu todo só poderá ser adquirido por entidades institucionais.

A venda da colecção é também defendida pela Deloitte com vista à diminuição do buraco financeiro com que a PH se vê a braços. Mas compradores para já não há. Fonte próxima da administração da CGD põe de parte a hipótese, também levantada no meio das artes plásticas há já alguns meses. “Só se fosse uma colecção muito boa é que a Caixa poderia ter algum interesse”, diz. A maior limitação do acervo da Fundação é o facto de ser constituído por obras de artistas emergentes sem cotação comercial.

Em Alcoitão, no concelho de Cascais, o Centro de Arte da Ellipse Foundation, projecto criado por João Rendeiro, fundador do Banco Privado Português (BPP), já só funciona a meio gás. Dois seguranças, uma conservadora e um assessor de comunicação tentam manobrar um barco que sabem estar à deriva. A incerteza do futuro é-lhes confirmada todos os dias pelos jornais, mas continuam a abrir ao público as portas do Centro, situado numa área dominada por armazéns, às sextas-feiras, aos sábados e aos domingos. O presidente da Fundação, a quem já não sabem se o Centro pertence, João Rendeiro, nunca foi figura muito presente por ali, o que faz com que a sua ausência não seja notada. O que lhes salta à vista é uma movimentação de obras de arte acima do normal, causada por “pedidos de empréstimos de várias instituições em Espanha, nos Estados Unidos e em Inglaterra”, dizem.

Não são apenas os trabalhadores que padecem de falta de informação. A Privado Holding (PH), empresa que controla o BPP e que no último trimestre de 2008 comprou 83,4% da Holma — sociedade que detém a colecção de arte da Ellipse Foundation —, também parece saber pouco e deixou por responder um conjunto de questões levantadas pelo Expresso. “A situação da Fundação é uma das que está a ser averiguada adicionalmente no âmbito da auditoria a cargo da Deloitte. Por isso, a PH prefere, para já, não fazer qualquer comentário”, limita-se a afirmar uma fonte oficial da Privado Holding.

Ficam assim sem resposta várias perguntas, entre elas a razão que levou a PH a comprar 83,4% da Holma, empresa controlada por uma sociedade offshore cuja titularidade é muitas vezes atribuída a Rendeiro. Ou o porquê de a compra ter sido financiada pelo BPP e de a colecção estar penhorada ao banco. E ainda se Rendeiro terá ou não vendido obras da sua colecção particular ao BPP e para que museus estão a ser emprestadas obras da Ellipse. Questões que alguns accionistas da PH têm levantado.

João Rendeiro, que na inauguração da Ellipse Foundation, em Junho de 2006, afirmava querer reunir a colecção de arte mais importante do mundo na transição do século XX para o século XXI, remete-se ao silêncio. “Pode escrever o que quiser, sobre isso não vou dizer-lhe nada”, afirma.

Sem directora nem curadores

Filipa Sanchez, directora do Centro de Arte da Ellipse, deixou o cargo há um mês e meio. A falta de verba para assegurar o seu salário foi a principal razão da sua saída, mas também as limitações que sentia para gerir a casa. A ex-directora afirma que “o Centro de Arte tem acumulado dívidas com gastos correntes de vária ordem, desde a electricidade à manutenção diária da casa”, e que, nos últimos meses, “as dificuldades de financiamento da Fundação cresceram”, entrando dinheiro “de forma muito irregular”.

A última exposição da Ellipse, activa até hoje, foi inaugurada em Outubro de 2008 — “Listen Darling... The World Is Yours” —, um mês antes de os curadores Pedro Lapa, director do Museu do Chiado, e Alexandre Melo, assessor para a Cultura do primeiro-ministro, José Sócrates, terem cessado a sua actividade na Fundação.

(in_Expresso)

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