"O que significa ser actor em Portugal?".
Seis profissionais de diferentes gerações responderam ao repto lançado pelo JN, desfiando um rosário de queixumes.
Apesar de a amostra ser demasiado pequena para se poder generalizar conclusões, é um facto que os nossos interlocutores olham para a arte com pessimismo. A falta de apoios e o carácter intermitente do exercício da profissão são realidades lembradas, ainda que nem sempre de forma explícita.
"Significa o mesmo que em qualquer parte do Mundo. A língua muda, mas as características são muito iguais. Acontece é que há países onde os actores talvez tenham de lutar menos", afirma Eunice Muñoz, 80 anos, actriz desde os cinco. No seu entender, é errado pensar-se "que em Portugal é tudo muito mau e que lá fora é tudo muito bom".
A actriz fundamenta tal convicção com exemplos que lhe chegam de países como Inglaterra, onde "há jovens actores a fazer tournées em que, praticamente de 15 em 15 dias, têm de representar uma nova peça". "Isso é trabalho precário, cheio de vícios", acrescenta.
Reconhecendo que "ser actor é difícil e mais difícil ainda num país como o nosso, em que a cultura é sempre o irmão pobre", Eunice Muñoz consegue, ainda assim, encontrar aspectos positivos no panorama actual: "Ultimamente, tem aparecido um conjunto de actores que trazem muita esperança. E a luta só não é mais difícil na medida em que existe a televisão, que lhes dá a possibilidade de ir ganhando a vida".
Visão claramente pessimista tem António Durães. Nascido na Figueira da Foz, vive em Braga e, de momento, faz parte do elenco de "Transacções", em cena no Teatro Maria Matos, em Lisboa. Ainda dá aulas de interpretação no Porto. "Ser actor, nesta altura, significa nada, quase", diz.
Para explicá-lo, Durães recorda que, em 1985, ano em que terminou a formação (curiosamente, em Évora), era necessário percorrer uma série de etapas para se exercer a profissão e para se ter carteira profissional, que era sempre exigida. "Hoje, é necessário nada de nada", afirma o "free-lancer", sublinhando que isso "desprestigia profundamente a classe".
É nesse sentido que contrapõe o esforço com que os seus alunos trabalham às exigências para o ingresso no mercado de trabalho: "Estão a disputar lugares com gente que vem das "passerelles", por exemplo, ou com o primo de não sei quem". Concluindo que o mercado é "vagamente capitalista, mas selvagem", refere ainda que "distribuir subsídios curtos pelas aldeias todas não faz sentido nenhum". A sua conclusão é incisiva: "Este país não merece os profissionais de teatro que tem".
Em tom poético mas carregado de ironias, Emília Silvestre, da companhia Ensemble, do Porto, começa por responder à questão deste modo: "É acreditar, para além do razoável, que estamos a construir um país melhor". "Respirar fundo, erguer a cabeça e seguir em frente" são os remédios para as muitas contrariedades.
Desde logo, "lutar contra o princípio de que tudo tem de ser mercadoria", quando os actores são "alimento para as almas", ou, ainda, "chorar de raiva com a indiferença cega dos sucessivos poderes políticos". Ser actor, pelas suas palavras, é também sinónimo de revolta "contra a rede pública de teatros que não funciona, sujeita como está à logicazinha pessoal dos programadores".
Fernanda Lapa recorre à imagem do farol visto do mar para melhor definir o estatuto de "intermitentes" que têm os actores. A directora artística da Escola de Mulheres, em Lisboa, lembra que as novas gerações acabam os cursos e "logo são confrontadas com a inexistência de estruturas de acolhimento e de apoios sólidos à cultura". Mas refere que os mais antigos "sofrem do mesmo mal". "É todo um património cultural riquíssimo que fica ao abandono", conclui.
"Ser actor em Portugal, como em qualquer parte, pressupõe uma enorme paixão, dedicação, muito trabalho e espírito de sacrifício", é a opinião de Diogo Infante. O actor e director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, refere que, apesar de a oferta teatral ter aumentado, "o audiovisual continua reduzido a meia dúzia de filmes por ano, a menos de meia dúzia de séries televisivas e a uma mão cheia de telenovelas".
Diogo Infante diz ainda que o actor "enfrenta um mercado competitivo e por vezes cruel, onde a imagem tem um peso cada vez mais significativo e por vezes redutor". Por outro lado, salienta que "a percepção da comunidade em relação à profissão de actor mudou com os anos", tornando a classe "mais apreciada e respeitada".
No caso de Catarina Lacerda, co-fundadora da cooperativa cultural Teatro do Frio, no Porto, exercer a profissão significa "fazer muita coisa num curto espaço de tempo". "Se a minha pretensão fosse viver exclusivamente como actriz, seria complicado, até porque me obrigaria a aceitar trabalhos com os quais não me identificaria", diz.
Por isso, encontra solução na "periferia da actividade", dedicando-se ainda à formação, às parcerias e às colaborações com outros domínios. O que lhe permite assumir-se "como criadora e não apenas como intérprete".
(in_Quarta parede feed/JN 15/04/2009)
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