domingo, 22 de fevereiro de 2009

Será que se salvam?

Painéis de Almada Negreiros não chegaram a ser retirados do local. Moradia passou pelas mãos de três imobiliárias nos últimos sete anos e foi vendida para demolir, em Janeiro, por 1,75 milhões de euros
O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) não recebeu ainda qualquer pedido para autorizar a realização de obras na moradia do Restelo onde a Câmara de Lisboa embargou, anteontem, a retirada de numerosos painéis de azulejos da autoria de Almada Negreiros.

Situado na Rua de Alcolena, n.º 28, o edifício foi projectado nos anos 50 do século passado pelo arquitecto António Varela e foi objecto, no dia 29 do mês passado, de um pedido de demolição, para construção de uma nova moradia, cuja apreciação está a ser iniciada na Câmara de Lisboa. Confrontado com o início da remoção dos azulejos antes de qualquer decisão sobre os projectos apresentados, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, determinou de imediato o embargo dos trabalhos.

A moradia está inserida na Zona de Protecção Especial de vários imóveis classificados (Capela de São Jerónimo, Capela de Santo Cristo e dois palacetes da Rua de Pedrouços), razão pela qual, todas as obras ali feitas têm de ser previamente aprovadas pelo Igespar. Em situações como esta, as consultas àquele serviço do Ministério da Cultura são geralmente efectuadas pelas câmaras no decurso da apreciação dos projectos que lhes são submetidos, mas a lei também permite que os proprietários peçam directamente ao Igespar o seu parecer.
Neste caso, garantiu ontem ao PÚBLICO o director daquele instituto, Elísio Summavielle, ainda não entrou nos serviços qualquer pedido para a realização de obras. Sumavielle lembrou a obrigatoriedade desta solicitação, uma vez que o local está inserido numa zona de protecção de vários edifícios, entre os quais a Capela de São Jerónio, classificada como monumento nacional. 
"A moradia está sujeita a servidão administrativa, o que significa que necessita de um parecer vinculativo do Igespar para qualquer alteração", afirmou.
Os painéis de Almada, presentes em vários espaços exteriores e interiores da moradia, "estão classificados no inventário municipal do património com a designação de património integrado - ou seja, toda a construção está protegida e o conjunto de azulejos é inamovível", disse ainda Sumavielle.

Constam também de um levantamento da arquitectura do século XX realizada pela Ordem dos Arquitectos e estão ainda incluídos na lista do Docomomo, organização que subsidia a documentação e conservação das manifestações do movimento moderno em arquitectura.
Segundo a arquitecta e membro do Docomomo Ana Tostões, os azulejos desta moradia são "especiais", uma vez que se inserem num período criativo de Almada Negreiros que antecipa o trabalho reproduzido no átrio da Gulbenkian - o painel Começar (1968), gravado em pedra na entrada do edifício principal da Fundação Gulbenkian. "Há casas do [arquitecto Porfírio] Pardal Monteiro com painéis do Almada. Mas estes são mesmo especiais", salienta Ana Tostões
Vários proprietários.

A intervenção do artista neste edifício de dois pisos foi feita na altura em que ele foi mandado construir por Maria da Piedade Figueiredo Mota Gomes. O lote de terreno onde a casa foi erguida, com uma área total de 1122 metros quadrados, foi por ela adquirido à Câmara Municipal de Lisboa em 1951, parte por compra directa e parte por arrematação em hasta pública.

Depois de concluídas as obras, o imóvel manteve-se na posse da primeira proprietária, passando em 1982, após a sua morte, para o seu filho José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão. Depois do falecimento deste, a moradia passou para a viúva e para as suas duas filhas, que a venderam em 2002 à imobiliária Espacimo.
Três anos mais tarde, já afundada em dívidas, a nova proprietária viu a residência do Restelo ser objecto de sucessivas penhoras, acabando por a vender em Janeiro de 2007 a uma outra imobiliária: a Principado do Restelo, com sede em Cascais. No dia 5 do mês passado, verificou-se uma nova transferência de propriedade, desta vez para a Soindol, Sociedade de Investimentos Dominiais Ldª, que comprou o imóvel por um milhão e 750 mil euros.
Três semanas depois, os novos donos entregaram na câmara o pedido de licenciamento da demolição integral da casa e da construção de uma nova moradia familiar de grandes dimensões, com uma área total de 1534 metros quadrados.

O PÚBLICO não conseguiu ontem contactar os sócios da Soindol nem os da Principado do Restelo, mas, de acordo com informações ainda não confirmadas, terão sido estes que ordenaram a remoção dos azulejos, no âmbito das condições negociadas com os anteriores proprietários. A Principado do Restelo tinha como sócios Carlos Alberto da Conceição Lopes e Ademar Silvino dos Santos, mas estes renunciaram recentemente à gerência, o que faz supor que já não fossem eles os donos à data da venda com Inês Boaventura.
(in_público 22/02/2009)

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